Lourenço, Andréa; Merçon, Elizabeth

Ementa:
O desenvolvimento de produtos sustentáveis é hoje um grande desafio para os designers de produto. O surgimento do ecodesign vem em resposta a essa questão, traçando um novo caminho para os produtos industriais.
Resumo:
Este artigo tem como objetivo trazer para o debate a questão do papel do designer na concepção de produtos e na escolha de materiais e processos com base na sustentabilidade ecológica, levando em consideração a melhoria da qualidade de vida.
Através de uma breve análise histórica sobre a evolução industrial e o uso da obsolescência planejada, como arma estratégica de venda, são ressaltados os enormes danos ambientais decorrentes da exploração descontrolada dos recursos naturais.
Há ainda a abordagem do surgimento do “ecodesign” e do “marketing verde” como solução coerente à urgente necessidade de inclusão de parâmetros ambientais na concepção dos produtos. Também é tratada a importância da criação de novos critérios de gestão de resíduos, orientada para a reciclagem e o reaproveitamento dos materiais, como forma de restituí-los à cadeia produtiva.
São avaliados, ao longo do artigo, os principais elementos de resistência à aplicação do gerenciamento ambiental dentro das indústrias e empresas, que vêm postergando a reestruturação do processo de produção, além de fatores que, ao contrário, servem como incentivo para uma mudança estratégica na política de produção.
Em seguida são apresentadas propostas a fim de se criar condições para implementação de novas estratégias de produção, de modo que se possa aproveitar a preciosa base de recursos naturais de que dispomos de uma forma equilibrada e consciente, combinando responsabilidade ambiental com desenvolvimento industrial.
Introdução
A atual crise ambiental em que o mundo se encontra hoje é conseqüência da falta de planejamento de um modelo econômico melhor estruturado no passado. As raízes históricas não negam que não se pensava na possível futura falta de matéria-prima para a elaboração de bens de consumo. Ao contrário, sempre se incentivou a fabricação maciça e a compra dos produtos, pensando somente na viabilidade econômica e na satisfação social, sem o menor critério ou preocupação com a sustentabilidade.
A evolução da indústria e o desenvolvimento tecnológico são irreversíveis e incontroláveis. Conforme a sociedade avança, novos problemas surgem. O maior deles é a destruição da natureza. A humanidade precisa perceber que sem o meio ambiente não será possível viver, e que se desenvolver sem pensar nas futuras conseqüências é inconcebível, pois as próximas gerações também precisarão dele para viver. Ar puro para respirar, água limpa para beber, espécies animais e vegetais protegidas é o mínimo que se pode desejar para uma existência digna e com qualidade de vida.
Esse consumismo insustentável que vivenciamos hoje não pode mais continuar. As pessoas já estão começando a adquirir uma consciência ecológica mais desenvolvida, mas ainda é pouco. Consumir produtos ecologicamente corretos já é um começo, mas de nada adiantará se as indústrias não se sensibilizarem e começarem elas próprias a conceber projetos responsáveis já pensando no fim de suas vidas úteis e na sustentabilidade.
Como o ecodesign pode contribuir para uma mudança de postura por parte da indústria e influenciar os padrões de consumo, e contribuir para o desenvolvimento de um modelo econômico no qual a ecologia ganha uma dimensão estratégica?
Desenvolver produtos que utilizem materiais menos poluentes e cujo descarte não seja tão impactante na natureza, é o desafio que muitos designers e engenheiros vêm estudando e se dedicando. O estudo pela descoberta de novos materiais e novas aplicações vem surgindo com uma força nunca vista anteriormente. Isso mostra que ainda é possível mudar esse quadro.
1- As raízes do Consumismo Alienado
A Revolução Industrial do séc. XVIII transformou o meio ambiente devido à introdução da indústria mecanizada e os seus artefatos e mecanismos. As peças antes feitas uma a uma manualmente, agora poderiam ser feitas em série. O preço unitário das peças fabricadas artesanalmente era muito mais caro devido ao tempo gasto na concepção. Já as peças feitas
industrialmente, tornaram-se mais baratas e muito mais acessíveis, pois agora não mais existia a peça exclusiva, pois várias peças iguais eram produzidas.
Com isso, facilitou-se o acesso aos produtos de consumo, atingindo níveis preocupantes em toda a população mundial, inclusive nos países periféricos. Assim, surge o problema da escassez de matéria-prima de fontes não renováveis, como por exemplo, o petróleo para a concepção do plástico. Houve também um grande aumento da poluição do meio ambiente, através de descartes de materiais não biodegradáveis e da queima de óleos e combustíveis, provenientes de automóveis.
Em 1929 acontecia o crash de Wall Street, e logo em seguida a Grande Depressão. Indústrias e empresas viram-se obrigadas a recorrer a estratégias para alavancar as vendas e se manterem no mercado, cada vez mais competitivo. A pesquisa de novos materiais e produtos não era mais possível naquele momento, pois onerava, e não se podia gastar mais. Uma das opções foi a re-estilização dos produtos que já estavam em fabricação, modificando-se apenas detalhes e mantendo a mesma tecnologia e funcionalidade. Era apenas uma mudança estética a fim de levantar as vendas, e esta era muito mais difundida do que o próprio produto.
Começou assim a grande “dança” dos novos produtos. As necessidades primárias que havia nos produtos perdem a sua essência. Agora as necessidades são outras: prestígio, status e prazer. As novas concepções de design dos produtos agradam mais do que as suas funções. Para a empresa o importante é vender a qualquer custo.
Dessa forma teve início a obsolescência planejada, que se intensificou no pós-guerra. Os produtos não eram mais duráveis como antes, pois precisavam ser repostos, e para isso eles tornavam-se obsoletos e caíam facilmente em desuso. A obsolescência é uma forma de reduzir a vida dos produtos, antes mesmo de acabar sua vida útil.
Há praticamente três tipos de obsolescência (QUEIROZ, 2003): a planejada de qualidade, onde o produto quebra ou gasta em um período já determinado durante a sua concepção; a psicológica, ou de estilo, desejo ou gosto, onde a obsolescência é provocada com a introdução no mercado de um produto com um estilo diferenciado, fazendo com que o modelo anterior torne-se obsoleto e não mais desejado por quem o comprou; e a tecnológica, onde a adição de uma tecnologia de ponta é introduzida ao produto, tornando esse mais moderno do que o seu anterior.
A indústria pioneira na obsolescência de estilo é sem dúvida a automobilística. A espera por novos modelos e design diferenciado, que na maioria dos veículos não traz sequer novas tecnologias, é aguardada com grande ansiedade pelos compradores de todo o mundo. Assim, anualmente essa indústria apresenta novos modelos com pouquíssima ou nenhuma inovação
na parte mecânica, fazendo com que os modelos anteriores àquele tornem-se obsoletos e ultrapassados, mesmo que apenas esteticamente.
O modo de produção capitalista parece ditar as regras, pois se precisa vender muito para pagar aos funcionários das indústrias e para elas mesmas terem lucros e serem auto-sustentáveis. Mas como fazer isso se os produtos possuírem uma ótima qualidade, e não precisarem de troca por anos? Essa é uma das alegações das indústrias para explicarem a prática da obsolescência planejada, através da morte prematura de seus produtos.
Com isso cria-se a “sociedade do descartável” (SCHONBERGER, 1984), motivada cada vez mais a encurtar a vida dos produtos por ela consumidos. O maior problema desta questão é a retirada sem limites dos recursos naturais considerados não renováveis para a fabricação desses produtos. Muitas vezes sem dar tempo para a natureza se refazer. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, somente nas últimas três décadas, cerca de um terço dos recursos do planeta foram consumidos.
A sociedade do consumo alienado de bens materiais mede o seu padrão de vida através de seus bens materiais. E com isso “as pessoas gastam um dinheiro que não possuem, para comprar coisas que não necessitam, para impressionar pessoas que não conhecem” (PENNA, 1999 in QUEIROZ, 2003). As suas necessidades agora passam a ser necessidades artificiais, apenas para estar na moda, estar in, ou mesmo para status e diferenciação.

Figura 01: Chevrolet Impala, conversível, 1859 – O carro como acessório de moda na revista Vogue Fonte: Design Industrial A-Z, 2001, p. 647
O problema desse consumismo, que nunca foi tão acentuado em outra época, é exatamente a utilização de materiais e processos de fabricação em que muitas vezes não há a preocupação com o meio ambiente. Ou seja, materiais e peças que não são recicláveis ou reutilizáveis são utilizados sem critérios, dificultando muitas vezes tanto o processo de reciclagem quanto o processo de desmonte para reutilização de peças.
No Brasil, uma forte preocupação ambiental data da década de 70, após a Conferência das Nações Unidas (ONU), realizada em Estocolmo em 1972, na Suécia. Mais de 133 países participaram e focaram a gravidade da situação que se encontrava o meio ambiente naquela época, assim as questões ambientais começaram a ser evidenciadas. Mais tarde, na década de 80, as ações ambientais foram intensificadas com a criação de várias normas, como a exigência de relatórios sobre impactos ambientais, normas para a instalação de indústrias, economia de matéria-prima e recursos naturais, proibição de alguns produtos químicos considerados perigosos, etc.
Já em 1992, uma segunda conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, a Eco 92, trouxe cerca de 170 países preocupados com as mudanças ocorridas após a Conferência de Estocolmo, e buscando novas estratégias de desenvolvimento sustentado.
2- A Velocidade da Degradação
Não foi somente desenvolvimento econômico e progresso técnico que a Revolução Industrial nos deixou de herança. Hoje reflete-se no meio ambiente a pior e mais grave conseqüência desta exploração descontrolada: a degradação ambiental, a exaustão dos recursos naturais, poluição e desastres ecológicos.
O individualismo, a obsolescência planejada e o consumo alienado, que são as bases do modelo econômico liberal atual, aliados à falta de uma preocupação na concepção de produtos que gerem menor impacto ambiental, trazem como principal resultado a produção cada vez maior de resíduos e rejeitos. Como solução, foram criados os primeiros aterros sanitários, por serem simples e exigir baixo custo operacional. Com o passar do tempo, cada vez mais aterros são construídos, onde são depositadas toneladas de lixo diariamente.
E conforme os anos passam, maior é a quantidade de lixo produzido pela população. Só no município do Rio de Janeiro, em 2003, foram depositados 3.134.682 de toneladas de lixo, contra 1.143.720 em 1993. Isso é apenas uma amostra do aumento da quantidade de lixo produzido, o que demonstra que no mundo inteiro também houve um aumento expressivo do lixo.
Hoje, o Brasil recicla menos de 5% do seu lixo, e por esse motivo é considerado um dos maiores desperdiçadores do mundo, se comparado a países como o Japão e os Estados Unidos. Com isso, milhões de toneladas de materiais recicláveis e reaproveitáveis são simplesmente descartados todos os dias.
Os plásticos representam cerca de 15% do lixo, mas apenas 15% desse total são transformados em matéria-prima para outros produtos, voltando assim para a cadeia produtiva. O restante é conduzido a aterros sanitários ou depositados em lixões, os quais deveriam ser apropriados, mas geralmente não possuem a estrutura e o planejamento necessários para receber produtos não biodegradáveis, poluindo assim o solo e a água, trazendo grandes prejuízos ao meio ambiente.
No lixo é possível encontrar materiais dos mais diversos. Entre eles são considerados recicláveis: vidro, metal, plástico, papel e papelão. Não recicláveis: pano, couro, borracha, folha, madeira, materiais inertes e ossos. E matéria orgânica: restos de alimentos, fezes de animais e pequenos animais mortos (COMLURB).
É de conhecimento público que a maior parte dos aterros e lixões não está preparada para receber o volume crescente e brutal desses resíduos que são despejados diariamente, principalmente nos grandes centros urbanos. Por esse motivo, torna-se evidente a necessidade de se repensar na questão da gestão de resíduos, começando desde o topo da cadeia produtiva, ou seja, nas empresas e indústrias.
Muitas delas já pensam e fazem programas para valorizarem o meio ambiente. Por exemplo, as indústrias de papéis, que utilizam árvores de reflorestamento ou mesmo papel reciclado. O papel representa 24% do nosso lixo urbano, mas apenas 36% desse total é realmente reciclado. Cada tonelada de papel reciclado equivale a 20 árvores que são poupadas na produção.
Na indústria de madeira há o selo FSC, do Conselho de Manejo Florestal, que oferece melhores formas de se fazer uma exploração sustentável da madeira e de recursos provenientes das florestas. Assim, o consumidor tem a garantia de estar comprando um produto sustentável e ainda incentiva o produtor a se preocupar cada vez mais com o desenvolvimento sustentável de seus produtos.
A indústria automobilística, apesar de ser a mais poluente para o meio ambiente, também está se preocupando cada vez mais com essa questão. Partindo do princípio que o carro é o único produto que polui mesmo quando parado, devido à evaporação de combustíveis e óleos, há de se levar em consideração que deveria ser a primeira a se preocupar com esses produtos. Muitas já estão utilizando a tecnologia para filtrar e melhorar
as emissões de gases, provenientes das explosões, antes de entrarem na atmosfera. Materiais recicláveis e peças que possam ser reaproveitadas e/ou recicladas já é uma realidade nessa indústria. São os “carros verdes” aos quais se refere Heloisa Medina (2001). Também tentativas de se incorporar combustíveis de fontes renováveis, como o biodiesel, que provém de óleos vegetais, estão sendo pesquisadas como uma opção viável a ser incorporada nos novos modelos de automóveis. Grandes investimentos estão sendo direcionados a iniciativas como estas consideradas como grandes aliadas do meio ambiente.
3- “Design for Environment” – A Nova Tendência do Mercado Mundial
Há décadas se sabe da emergência de uma reestruturação do processo de produção através da concepção de produtos que incorporem requisitos ambientais e se preocupem com a prevenção da poluição através da redução dos impactos destes sobre o meio ambiente, considerando todas as suas fases de vida.
Entretanto, adotar esses conceitos meramente por motivos éticos ou sociais não se mostrava uma estratégia vantajosa ou coerente sob o ponto de vista financeiro das empresas. Assumir uma iniciativa desse tipo se mostrava uma atitude dispendiosa demais e pouco compatível com os objetivos de lucro e competitividade empresarial, uma vez que antes não se notava presente no mercado tamanha receptividade, por parte dos consumidores, em relação aos produtos ecologicamente sustentáveis.
No entanto, recentemente, a “degradação ambiental” passou a ser um tema de interesse popular. O consumidor, nas últimas décadas, começou a se conscientizar dos efeitos nocivos que a atividade de exploração irracional dos recursos naturais vem trazer à sua própria qualidade de vida, comprometendo também as gerações futuras.
E esse consumidor tem papel decisivo no que tange à mudança de postura por parte das empresas. Suas escolhas individuais contribuíram para configurar o consumo inteligente, evitando serviços, lojas e produtos que não incorporem a responsabilidade ambiental como objetivo. Começa então o chamado consumismo ambiental, e com ele, nasce o “marketing verde” (OLIVEIRA, 1997), ou “eco-marketing” (PENEDA, FRASÃO, 1994), no qual os produtos eco-eficientes são utilizados como veículos de valores culturais e sociais, capaz de diferenciá-los dentre outros que não incorporem esses padrões.
Atentas a esse novo e crescente mercado, empresas e indústrias observaram uma chance de usar esse padrão de consumo como arma mercadológica. Com o objetivo de atender a essa demanda, critérios ambientais passaram a ser incorporados na atividade de desenvolvimento
dos produtos, como forma de continuarem competitivas no mercado interno e externo, bem como melhorar e fortalecer sua imagem pública perante o público consumidor.
Outro fator que também contribuiu como incentivo para uma mudança estratégica na política de produção foi a preocupação por satisfazer às crescentes normas regulamentares estabelecidas por políticas ambientais governamentais e por programas de certificação legais de gestão ambiental, cada vez mais presentes em diversas partes do mundo, como as ISOs, as Resoluções CONAMA, etc.
A ISO (International Organization for Standadization), uma federação mundial de organismos de normatização não governamental, é fundada em 1947 em Genebra, Suíça, e conta com uma entidade em cada país. No Brasil ela é representada pela ABNT, fundada em 1940. “Na prática, a Normalização está presente na fabricação dos produtos, na transferência de tecnologia, na melhoria da qualidade de vida através de normas relativas à saúde, à segurança e à preservação do meio ambiente” (ABNT, 2005).
O CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), instituído pela Lei 6.938/81 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Determina a realização de estudos das alternativas e possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados. Estabelece normas, critérios técnicos e padrões e avalia regularmente a implementação e a execução da política e normas ambientais do país (CONAMA, 2005).
Com o advento dessas normas, a responsabilidade ambiental passa a ser inserida como mais um requisito de padrão de qualidade dos produtos. Com esse objetivo, um número maior de empresas está apostando e investindo no melhoramento ambiental dos seus produtos. E é nesse contexto que surge o ecodesign ou “design for environment. E com ele, a criação de uma nova metodologia de projeto orientada para a responsabilidade social e a utilização racional e sustentável dos recursos naturais, direcionando o desenvolvimento dos produtos de modo a minimizar os impactos ambientais inerentes a todo processo produtivo”.
Por ser na fase de concepção que o designer atua, seu trabalho passa a ser de suma importância no desenvolvimento de produtos eco-eficientes, pois é nessa etapa de planejamento que é possível a identificação de oportunidades de melhorias em processos ou produtos sob a ótica da sustentabilidade. Isso é possível através da seleção de materiais adequados para a fabricação, do uso preferencial de matérias primas de fontes naturais renováveis – para facilitar a compostagem, da criação de componentes de fácil desmontagem – para facilitar o processo de coleta seletiva, do aumento da vida útil – como ferramenta para reduzir a emissão de rejeitos e resíduos, da gestão orientada para a reciclagem e reaproveitamento – estabelecendo ciclos mais fechados de produção, entre outros aspectos
mais tradicionais utilizados durante a concepção. Estes são usualmente considerados pelo designer e pela equipe de projeto na fase de criação, como a ergonomia, a funcionalidade, a eficiência, a qualidade, a segurança, a estética, a imagem, a viabilidade de produção, o custo, etc.
Mas o trabalho do designer não só é importante para a concepção de novos produtos ou serviços em substituição aos atuais, como também para o redesign ecológico ou reformulação de produtos já concebidos, visando melhorar seu desempenho ambiental.
Dessa forma, a concepção de um produto exige a integração de conhecimentos multidisciplinares provenientes de diversas áreas de pesquisa. Para nortear a tomada de decisão pelos melhores produtos e processos, buscando causar o menor impacto ambiental possível, são utilizadas importantes ferramentas e instrumentos de informações que estudam e avaliam impactos ambientais, abrangendo a análise desde a extração das matérias primas, o processamento de materiais, a produção, a manufatura, a utilização, até e a emissão de resíduos. Como exemplos de ferramentas, podem ser citados a “Análise do Ciclo de Vida” (ACV) e a “Logística Reversa”, que planeja desde o fim do produto, seu descarte, até o início, ou seja, até a sua volta para o início do ciclo, onde entra como material reciclado.

Figura 02 – Representação Esquemática dos Processos Logístico Direto e Reverso
Fonte: Panorama da Reciclagem de Compontes no Setor Automobilístico (2003)
O crescimento da demanda por novos materiais e processos de produção que atendam às questões ambientais vem incentivando a pesquisa científica a criar novas tecnologias voltadas para harmonizar a produção industrial com conservação ambiental.
Em resposta a isso vemos surgir uma gama cada vez mais sofisticada de processos, de formas de obtenção de energia – como os biocombustíveis derivados da biomassa, de materiais ecológicos, como plásticos biodegradáveis, – que podem ser rapidamente decompostos na natureza por serem produzidos a partir de matérias primas de origem vegetal,
de plásticos hidrossolúveis que desmancham facilmente em contato com a água sem deixar resíduos tóxicos, de novos materiais compósitos que apresentam propriedades simultâneas que melhoram seu desempenho ambiental, como menor densidade e maior resistência e durabilidade, além do advento de outros materiais alternativos que podem ser utilizados como alternativa de substituição a certas matérias primas atualmente escassas em seu estado virgem.
4- O Projeto de Produtos Eco-eficientes na Prática
Projetar produtos que procurem atender tanto a questões ambientais quanto econômicas é uma prática ainda complexa aqui em nosso país. Muitas são as restrições que induzem as empresas a ignorar essas mudanças fazendo com que encarem a produção sustentável e os produtos ambientalmente orientados como uma ameaça, e não como uma tendência.
Uma das principais restrições para a adoção de iniciativas desse tipo é de natureza econômica, pois para implementar novas estratégias de produção considerando aspectos ambientais é necessário muito investimento em curto prazo. Repensar o processo produtivo, gerir os resíduos resultantes da produção e criar uma metodologia diferenciada de projeto passa a ser encarado pela empresa como custo adicional que conseqüentemente prejudicará a competitividade de seus produtos frente aos demais concorrentes que utilizem processos mais simples de produção.
De acordo com esse pensamento, buscar um modo de contornar a legislação ou limitar-se estritamente ao cumprimento das normas ambientais recorrendo ao tratamento dos produtos em fim de linha, ou mesmo remediar impactos nocivos já ocorridos, são as soluções que se mostram mais viáveis para esse problema. Ainda que sejam de adoção mais simples e instantânea, essas soluções tendem a ser mais dispendiosa por exigirem uma série de responsabilidades, como o pagamento de multas e custos punitivos em caso de acidentes ou desastres ambientais, pagamento de depósitos e custos de manutenção de programas de tratamento de resíduos descartados, entre outros.
Outro problema se deve à aceitação do uso de novos materiais e processos de produção dentro da cadeia produtiva. Apesar dos grandes avanços tecnológicos orientados para a indústria, adotar novas tecnologias ainda importa grandes investimentos. Quanto à introdução de materiais reciclados à produção, a resistência reside na pouca disponibilidade de materiais recuperados de boa qualidade. É comum a incidência de materiais contaminados devido a um processo de recolha ineficaz ou até mesmo pelo uso de produtos químicos de difícil remoção. Isso resulta em um produto final cujas qualidades físicas, químicas e mecânicas apresentam-se alteradas, se comparados à matéria prima de origem, prejudicando
assim seu desempenho. Também é comum a obtenção de materiais de qualidade inferior derivados de reciclagens mal realizadas ou sucessivas.
Para mudar esse quadro, seria necessária uma maior integração e coordenação entre o designer de produtos e as equipes responsáveis pela gestão de resíduos, para que os produtos concebidos recebam a destinação adequada para a qual foram projetados. Desta forma, seria possível obter um maior controle sobre o processo de recolha e seleção dos resíduos e, conseqüentemente, uma maior qualidade final dos materiais reciclados ou reaproveitados.
Mas há também o problema originado pelo armazenamento inadequado dos resíduos em aterros, depósitos ou “lixões” estruturalmente mal formulados. Onde tudo o que é recolhido é depositado sem que haja uma prévia seleção dos mesmos quanto à sua natureza e classificação. Lixos orgânicos são mantidos misturados aos inorgânicos, todos sofrendo ação das intempéries e sem receber tratamento algum. Em pouco tempo, os materiais com características de reciclabilidade que lá são mantidos sofrem contaminação, tornando-se impróprios para retornarem à cadeia produtiva. Para resolver esse problema seria necessária uma reestruturação do sistema de coleta e de organização desses aterros e depósitos, de modo a recolher e armazenar o lixo seletivamente com o intuito de mantê-los aptos ao reaproveitamento ou à reciclagem, mesmo após o depósito.
Outro problema, desta vez gerado dentro da própria empresa, se deve à falta de uma visão estratégica que integre o ecodesign e o marketing. Há, em geral, uma falta de compreensão adequada sobre os benefícios que os produtos eco-eficientes podem atrair, exercendo função de veículos de valores sociais e culturais, capaz de diferenciá-los dentre outros que não incorporem essas qualidades. A responsabilidade ambiental deve ser encarada como mais um requisito em busca da qualidade total, tornando-se indispensável para melhoria e fortalecimento da imagem pública perante o público consumidor, tornando-a mais competitiva e lucrativa.
Por último, pode ser citada a própria dificuldade de inserir mais um parâmetro – o ambiental – no desenvolvimento de produtos, o que restringe ainda mais a atividade de projeto. A questão ambiental, nesse caso, vem como um fator complicador que não deve se chocar com os demais requisitos avaliados durante a concepção, como requisitos de desempenho e viabilidade econômica de fabricação. Inúmeras são as questões levantadas durante a concepção que limitam o trabalho de criação do designer. Saber pesar as prioridades e tomar as decisões corretas direcionando da melhor forma possível o projeto é mais um compromisso e um desafio que o designer deve aceitar em nome da ética e em prol da sustentabilidade.
5- Incentivos e Desafios a Percorrer
Muitas são as iniciativas capazes de incentivar a mudança do comportamento defensivo que os empresários tendem a assumir diante de inovações que alterem a abordagem rotineira de suas atividades de produção.
Uma delas é a proposta de sensibilização através da demonstração prática das vantagens da utilização do ecodesign como forma de integrar aspectos ambientais na concepção de produtos, processos e serviços. Muitas delas, muitas vezes desconhecidas, podem ser enumeradas como a economia de matéria prima, a diminuição de desperdícios, a economia de energia, a diminuição dos custos de produção, a economia de capital, o uso do “eco-marketing” (PENEDA, FRASÃO, 1994) como arma de diferenciação no mercado, o aumento da competitividade da empresa, a busca da qualidade total, etc.

Figura 03: Lâmpada Fluorescente Neo Ball desenvolvida pela Toshiba, 1998, tem uma vida seis vezes superior à de uma lâmpada comum e usa um quarto da sua energia
Fonte: Design Industrial A-Z, 2001, p. 620
Um eficiente incentivo para a adoção da gestão ambiental são as crescentes exigências regulamentares de certificação, como o “Selo Verde” e as ISOs, por exemplo. Obter certificações como essas propiciam a melhoria da imagem pública da empresa e de seus produtos frente aos concorrentes e à opinião pública.
Papel igualmente importante tem a restrição da legislação e ampliação da fiscalização por parte dos órgãos competentes, de modo a aumentar a responsabilidade das indústrias e empresas sobre a produção e emissão de resíduos. Essas medidas farão com que o tratamento em fim de linha (desinfectação, deposição em aterro, tratamento do lixo, incineração) seja a alternativa menos viável devido aos custos de manutenção. E seu descumprimento, muito mais dispendioso. Dessa forma, a escolha mais natural será implementar estratégias preventivas na política da empresa por ser economicamente mais interessante.
Conseqüentemente, empresas que não cumprem suas obrigações de responsabilidade ambiental estarão mais propensas a oferecer produtos mais caros, enquanto que empresas ecologicamente responsáveis serão mais competitivas no mercado. Assim, a mudança de comportamento adotando uma postura inovadora de gestão, como a SGA (Sistema de Gestão Ambiental), seria uma necessidade para a própria sobrevivência da empresa a médio e longo prazo.
Também o próprio mercado consumidor será mais exigente no futuro. As questões ecológicas estarão cada vez mais presentes na opinião pública, ajudando a configurar um público mais bem informado, seletivo e consciente de seu papel.
Mais uma forma de estimular essa mudança poderá advir da diminuição de subsídios para métodos de produção que não englobem aspectos ambientais em seus projetos ou que consumam grande quantidade de energia. E, em contrapartida, a concessão de maiores incentivos econômicos a produtos e processos ecoeficientes.
Outros incentivos também podem ser dados pelo próprio meio ambiente. A escassez de matérias primas poderá alavancar a reciclagem e o reaproveitamento, bem como o uso de materiais alternativos para a fabricação dos produtos. Isso resultaria em enormes benefícios econômicos para a empresa por serem mais baratos e geralmente necessitarem menos energia no refabrico. Como efeito da ampliação da procura por materiais reciclados, haverá um aumento dos investimentos para a busca de novas tecnologias de processamento e reciclagem, tornando-os mais acessíveis e de melhor qualidade.
Conseguir promover essa mudança de postura é sem dúvida um desafio de difícil realização. No entanto, mesmo que essa mudança venha a acontecer por interesses puramente econômicos, e não por responsabilidade social, ética ou conscientização em relação às questões ambientais, será enormemente importante, porque desse compromisso depende toda a forma de vida viva neste planeta. Pois equilibrar o desenvolvimento industrial com qualidade de vida deve ser o objetivo maior de qualquer organização, empresa ou indústria. “Projetar para o futuro” é sem dúvida um desafio que envolve a todos. Desafio esse que vai desde o designer e do engenheiro, envolvidos na escolha correta de materiais para os seus produtos, o uso correto e a conscientização do usuário, até o seu descarte final, seja para a reciclagem, seja para aterros.
6- Conclusão
O gerenciamento ambiental no design de produtos hoje é uma realidade inevitável. O design é considerado como uma importante ferramenta que é capaz de traçar um novo rumo para os produtos industriais.
O design do novo milênio considera e inclui os materiais reaproveitados e/ou reciclados, tanto na concepção quanto no desenvolvimento de novos produtos. Ele já está se afirmando como um importante diferencial competitivo, e a sua gestão é a melhor maneira de se tornar isso real. Considerar o tempo de vida útil do produto, estudar o desmonte do produto para facilitar a reciclagem, incentivar o uso de materiais menos poluentes e incentivar também o retorno dos produtos às fábricas após sua utilização para voltar ao ciclo de vida, são alguns dos requisitos que deve-se levar em consideração antes de projetar.
O desenvolvimento sustentável é hoje um grande desafio para o designer, pois para projetar é preciso estar dentro desses novos padrões industriais, que estão em constante atualização. O “design verde” está baseado nos princípios ecológicos e no uso de tecnologias mais limpas. As indústrias que trabalham com gerenciamento ambiental utilizam o design para a concepção de novos produtos, ou mesmo redesenhar os já existentes, priorizando características preventivas com relação ao meio ambiente e levando em conta o ciclo de vida dos mesmos. Os desperdícios e perdas de materiais, gastos com recursos naturais e poluição agora estão sendo repensados durante o projeto do produto, a fim de serem eliminados, minimizando os custos.
Agora o caminho do desenvolvimento econômico é um só: a sustentabilidade. E o papel do designer é difundir esses princípios adiante, mostrando os benefícios que o uso do ecodesign poderá trazer, tanto sociais quanto econômicos. E obter informações dos impactos que os materiais utilizados poderão causar facilitará o acompanhamento dos processos de fabricação e ainda evitará acidentes ambientais (ANDRADE, 2000).
Seja por sensibilidade ética ou por motivos econômicos, esse passo – o do uso do ecodesign, deve ser dado urgentemente: agora. Senão, todos pagarão o preço da dilapidação dos recursos naturais disponíveis hoje, que são riquíssimos, mas não infinitos.
Deve haver uma mudança de mentalidade ou de postura política, econômica e social. É necessário reverter esse quadro que hoje se instala em todas as nações mundiais. Deve-se ter a consciência que as nossas atitudes de agora serão as responsáveis pela “delícia” ou pela “desgraça” de toda a sociedade futura. Cabe a nós, aqui e agora, a escolha por qual caminho seguir.
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SCHONBERGER, R. Técnicas Industriais Japonesas. São Paulo: Pioneira Editora, 1984
* Artigo publicado nos anais do VIII Congresso Brasileiro de Defesa do Meio Ambiente, 2005
LOURENÇO, A.; MERCON, E. . A Importância do Designer na Concepção de Produtos Voltados para a Gestão Ambiental. In: VIII Congresso Brasileiro de Defesa do Meio Ambiente, Rio de Janeiro, 2005.